sábado, 1 de outubro de 2011

A DOR DE DENTE


Ernani Maller

Sandoval era balconista de uma pequena venda na localidade de Rio Negro, muito simpático e bem quisto, moço despachado, sério e de total confiança do patrão.
Certa feita, Sandoval foi acometido de uma terrível dor de dente, alguém logo recomendou um analgésico, mas depois de algum tempo verifico-se a ineficácia do remédio. Algumas simpatias também foram tentadas, como a dor aumentava a cada instante, percebeu - se que uma atitude radical deveria ser tomada, um dentista deveria ser consultado. Sandoval tremeu diante da possibilidade de ter que encarar aquele que por tantos anos evitara. Mas uma notícia deu lhe um alívio íntimo, Dr. Heraldo, o único dentista da região estava viajando, e só voltaria em algumas semanas.
Até que Alípio, bebedor conhecido, que atendia também pelo carinhoso apelido de “Pudim de Cachaça”, deu uma solução para o dolorido problema:
_ Aqui em Rio Negro, só o Preto Velho Veval pra curar essa dor de dente.
Imediatamente o sofrido paciente foi colocado em uma carroça e conduzido até o bairro Pendura Saia, a poucos quarteirões de distância, logo chegaram ao destino.
O Preto Velho Veval morava em um barraco muito humilde. Já de idade bastante avançada, há muitos anos vivia sozinho, teve uma companheira, mas certo dia o abandonou sem justificativa e sem deixar notícia do seu paradeiro. Muitas curas eram atribuídas às suas rezas; tinha também a fama de ser um grande conhecedor de ervas, por isso era muito procurado, desde moças que queriam abortar e por muitos senhores em busca de cura para impotência sexual.
Sandoval já entrou no barraco gritando:
_ Ai, Preto Velho! Cure-me dessa terrível dor de dente. Este, porém, o desanimou.
_ Ah, Mizifio, Preto Velho não cura dor de dente não, isso é “trabáio” pra dentista.
_ Mas o dentista está viajando. Retrucou Sandoval. _ Vê o que o senhor pode fazer por mim.
Preto Velho então pensou, pensou, pensou e por fim falou: _ Curar a dor eu não posso, o que eu posso fazer é trocar a dor de lugar. Sandoval já um pouco esperançoso, perguntou:
_ Mas pra que lugar que a vai a dor?
_ Ah, Mizifio! Aí Preto Velho não sabe não, pode ir para qualquer lugar.
Sandoval que já estava cansado da tal dor de dente autorizou:
_ Pode fazer o trabalho, seja o que Deus quiser!
Preto Velho deu-lhe uma baforada de fumaça na cara de Sandoval, com um cheiro azedo, uma mistura de charuto e vinho, rodou Sandoval três vezes, fechou os olhos e fez algumas preces, murmurou algumas palavras que Sandoval não conseguia entender e disse por fim: _ Vá com Deus Mizifio.
Quando chegou de volta a venda, Sandoval percebeu com muita alegria que a dor de dente havia desaparecido. Agradeceu muito às pessoas que o ajudaram, inclusive “Pudim de Cachaça”, que teve a brilhante idéia da consulta com Preto Velho.
O feliz Sandoval voltou à rotina do seu trabalho, atendendo com presteza toda a freguesia, até que de repente sentiu uma fisgada muito forte no braço e em seguida outra fisgada ainda mais forte e uma dor insuportável foi tomando conta de todo o braço , era uma dor como ele jamais havia sentido, Sandoval deu um grito fortíssimo e começou a rolar no chão desesperadamente. Até que alguém gritou:
_ Leva de volta pro Preto Velho. E mas uma vez Sandoval é levado à casa do Preto Velho Veval. Desta vez Sandoval entra carregado gritando desesperadamente:
_ Ai! Preto Velho, que dor no meu braço, não agüento mais, faça alguma coisa, por favor.
_ Ah, Mizifio, isso é dor de dente no braço, é a pior das dores, e essa não tem cura não.
_ Não fala isso Preto Velho, deve haver algum remédio!
_ Não tem remédio não Mizifio, agora só suncê amputando esse braço e procurando um doto pra modi cuidar desse dente.

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