quinta-feira, 21 de julho de 2011

FITA EM SÉRIE


Ernani Maller

Eram dois homens, um aparentando mais de setenta anos e o outro, bem mais moço, por volta dos vinte e cinco. Enquanto esperavam o ônibus conversavam, até que o mais moço perguntou:
_ Nesta cidade não tem cinema?
_ Havia um, mas já fechou ha mais de cinqüenta anos, eu assisti a muitos filmes aqui. Disse o mais velho.
_ Mas porque o cinema fechou?
_Eu não sei ao certo, mas houve uma ordem judicial, eles tinham muitas dívidas, não conseguiam pagar o aluguel do imóvel, enfim, parece que não eram bons administradores. O prédio ficou por algum tempo ainda com letreiro de cinema, o que nos dava a esperança que iria reabrir, mas acabou sendo transformado em um mercado.
_ Mas na cidade já não havia outros mercados?
_ Sim, havia vários mercados, nos tínhamos muitos outros lugares onde comprar mantimentos. Para mim o cinema era o verdadeiro alimento, alimento pra alma. Eu ia também para outras cidades somente para ir aos cinemas. Imagine você eu assisti a grandes filmes como “E o Vento Levou“, “O Ladrão de Bicicletas”, “O Garoto”, de Charles Chapelin, isso tudo há mais de cinqüenta anos, e até hoje me lembro de detalhes dos filmes, mas não me lembro o que comi naqueles dias, para você ver o quanto à arte alimenta, é o alimento da alma. _ Falou o velho, saudoso e satisfeito com tão filosófica colocação, e continuou.
_ O cinema é um mundo de sonhos, a gente viaja por mil lugares, mil fantasias, a gente ri, chora, se assusta, fica tenso, relaxa, enfim, foge um pouco dessa realidade do dia-a-dia.
_ É verdade. Respondeu o rapaz, já meio arrependido de ter puxado assunto sobre cinema.
_ Mas as minhas grandes paixões, eram as “fitas em série”.
_ E o que eram essas “fitas em série”?
_ Era como as novelas de hoje em dia na televisão, só que no cinema, cada dia passava uma parte do filme. Eu trabalhava na lavoura, mas sempre depois do trabalho vestia minha melhor roupa e vinha para o cinema, eu gostava de verdade, era sempre o primeiro a chegar. A última “fita em série” que eu assisti, e que estava sendo a melhor de todas, foi a “Maldição do Lobisomem”, pena que no dia mais importante da fita o cinema acabou.
_ E então o senhor não ficou sabendo o final? Perguntou o jovem, agora já começando a se interessar mais pela história do velho. Este olhou com nostalgia o horizonte e com voz triste e lastimosa falou:
_ É meu filho, eu não fiquei sabendo o final daquela fita. Já se passaram mais de cinqüenta anos, e até hoje eu não sei quem era o lobisomem.