sábado, 15 de outubro de 2011

A PALAVRA



Ernani Maller

A palavra é a matéria prima do escritor,
ela é maleável, sujeita-se aos caprichos do criador.
Mas também se impõem,
em sua ampla diversidade de interpretações.
A palavra morre, cai em desuso, mas também ressuscita.
Idiomas se extinguem,
levando consigo não somente palavras, mas formas de pensar.
Palavras que adjetivam o belo, como: a flôr, a borboleta
e principalmente a mulher.
São obrigatóriamente poéticas, assim como o é,
a palavra que da nome à “lembrança triste”,
um previlégio do idioma português: saudade.
Ao contrário da fotografia, que é o que se vê,
a palavra, é o que se imaginar ser,
ela da campo ao pensamento, asas à imaginação.
Na descrição de uma cena, cada leitor,
com suas experiências de vida, imaginará sua própria cena,
isso torna a palavra infinita, sem limites.
Pela palavra passa o conhecimento, a sabedoria, a erudição.
Sem a palavra não seriamos diferentes dos animais.
Ela distingue povos, classes socias,
profissionais liberais, com seus mais variados discursos,
é o poder das palavras, as palavras do poder.
Quantos livros? Quantos poetas? Quantas religiões?
Filosofia, história, tudo baseado na palavra,
que o ser humano manipula, em um inesgotável quebra-cabeça.
Através da palavra, o ser humano vai se forjando, vai se recriando,
portanto, não acredite se alguêm lhe disser:
“palavras são palavras, nada mais do que palavras”.

O MAESTRO CRONENBERG



Ernani Maller

Terminei um show musical em um clube na cidade de Teresópolis, estado do Rio de Janeiro, e tive a sensação de ter feito uma boa apresentação, era uma “Noite de Queijos e Vinhos”, as pessoas faziam questão de vir me cumprimentar e mostrar seus contentamentos com a minha atuação. Um admirador mais entusiasmado me pediu que mostrasse algumas músicas de minha autoria ao piano, o que me prontifiquei a fazer imediatamente. Nos primeiros acordes uma senhora visivelmente embriagada me interrompeu e perguntou:
_ Ele é meu primo.
_ O senhor conhece o maestro Cronenberg?
E eu respondi _ Não conheço não senhora.
E ela com a voz arrastada, própria das pessoas alcoolizadas, disse:
_ Ah! Que legal. _ Eu falei.
Reiniciei a música interrompida, que foi acompanhada com muita animação por um pequeno grupo de pessoas que rodeou o piano, mas assim que terminei a interpretação a mesma senhora perguntou:
_ O senhor conhece o maestro Cronenberg?
Mais uma vez respondi: _ Não, não conheço.
E ela falou:
_ Ele é meu primo.
_ Que bom.
Foi quando o tal admirador entusiasmado perguntou:
_ Você me acompanha em uma canção? E eu disse: _ Tudo bem.
Mal o cidadão começou a cantar sinto alguém me tocar no ombro, quando eu me viro para ver quem era, a mesma pergunta:
_ O senhor conhece o maestro Cronenberg?
Com muita educação e paciência, respondi pela terceira vez:
_ Não, minha senhora, eu não conheço.
_ Ele é meu primo.
_ Que ótimo.
Mostrei mas algumas músicas de minha autoria, outras pessoas também cantaram até que resolvi me despedir, quando do meu lado ouço mais uma vez a indagação:
_ O senhor conhece o maestro Cronenberg?
Desta vez eu falei:
_ Já sei, ele é seu primo.
Abrindo um grande sorriso, ela falou para que todos ouvissem:
_ Viu? Não disse que ele conhecia?

sábado, 1 de outubro de 2011

SABERÁS QUE É NATAL


Ernani Maller

Assim que brotar
A lua dos pinheiros crispantes
Assim que soar
Um sino distante

Com cantigas singelas
De inocência angelical
Mesmo que não te digam
Saberás que é natal

Assim que a gota salgada
Correr tua face tranquila
Assim que dor
Se fizer arrependida

Mesmo que sol não venha
E que o desgosto seja fatal
Porém, pela paz devastadora
Saberás que é natal

Mesmo que o silêncio vitalício
Lhe ensurdeça por fim
Que o deserto da alma
Encubra teu jardim

Poderás soluçar
Num sorriso passional
Mas com toda confiança
Saberás que é natal

A DOR DE DENTE


Ernani Maller

Sandoval era balconista de uma pequena venda na localidade de Rio Negro, muito simpático e bem quisto, moço despachado, sério e de total confiança do patrão.
Certa feita, Sandoval foi acometido de uma terrível dor de dente, alguém logo recomendou um analgésico, mas depois de algum tempo verifico-se a ineficácia do remédio. Algumas simpatias também foram tentadas, como a dor aumentava a cada instante, percebeu - se que uma atitude radical deveria ser tomada, um dentista deveria ser consultado. Sandoval tremeu diante da possibilidade de ter que encarar aquele que por tantos anos evitara. Mas uma notícia deu lhe um alívio íntimo, Dr. Heraldo, o único dentista da região estava viajando, e só voltaria em algumas semanas.
Até que Alípio, bebedor conhecido, que atendia também pelo carinhoso apelido de “Pudim de Cachaça”, deu uma solução para o dolorido problema:
_ Aqui em Rio Negro, só o Preto Velho Veval pra curar essa dor de dente.
Imediatamente o sofrido paciente foi colocado em uma carroça e conduzido até o bairro Pendura Saia, a poucos quarteirões de distância, logo chegaram ao destino.
O Preto Velho Veval morava em um barraco muito humilde. Já de idade bastante avançada, há muitos anos vivia sozinho, teve uma companheira, mas certo dia o abandonou sem justificativa e sem deixar notícia do seu paradeiro. Muitas curas eram atribuídas às suas rezas; tinha também a fama de ser um grande conhecedor de ervas, por isso era muito procurado, desde moças que queriam abortar e por muitos senhores em busca de cura para impotência sexual.
Sandoval já entrou no barraco gritando:
_ Ai, Preto Velho! Cure-me dessa terrível dor de dente. Este, porém, o desanimou.
_ Ah, Mizifio, Preto Velho não cura dor de dente não, isso é “trabáio” pra dentista.
_ Mas o dentista está viajando. Retrucou Sandoval. _ Vê o que o senhor pode fazer por mim.
Preto Velho então pensou, pensou, pensou e por fim falou: _ Curar a dor eu não posso, o que eu posso fazer é trocar a dor de lugar. Sandoval já um pouco esperançoso, perguntou:
_ Mas pra que lugar que a vai a dor?
_ Ah, Mizifio! Aí Preto Velho não sabe não, pode ir para qualquer lugar.
Sandoval que já estava cansado da tal dor de dente autorizou:
_ Pode fazer o trabalho, seja o que Deus quiser!
Preto Velho deu-lhe uma baforada de fumaça na cara de Sandoval, com um cheiro azedo, uma mistura de charuto e vinho, rodou Sandoval três vezes, fechou os olhos e fez algumas preces, murmurou algumas palavras que Sandoval não conseguia entender e disse por fim: _ Vá com Deus Mizifio.
Quando chegou de volta a venda, Sandoval percebeu com muita alegria que a dor de dente havia desaparecido. Agradeceu muito às pessoas que o ajudaram, inclusive “Pudim de Cachaça”, que teve a brilhante idéia da consulta com Preto Velho.
O feliz Sandoval voltou à rotina do seu trabalho, atendendo com presteza toda a freguesia, até que de repente sentiu uma fisgada muito forte no braço e em seguida outra fisgada ainda mais forte e uma dor insuportável foi tomando conta de todo o braço , era uma dor como ele jamais havia sentido, Sandoval deu um grito fortíssimo e começou a rolar no chão desesperadamente. Até que alguém gritou:
_ Leva de volta pro Preto Velho. E mas uma vez Sandoval é levado à casa do Preto Velho Veval. Desta vez Sandoval entra carregado gritando desesperadamente:
_ Ai! Preto Velho, que dor no meu braço, não agüento mais, faça alguma coisa, por favor.
_ Ah, Mizifio, isso é dor de dente no braço, é a pior das dores, e essa não tem cura não.
_ Não fala isso Preto Velho, deve haver algum remédio!
_ Não tem remédio não Mizifio, agora só suncê amputando esse braço e procurando um doto pra modi cuidar desse dente.